A vida é uma padaria.

Rio Paraíba

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Em certos ângulos e/ou dependendo do jeito que a gente acorda e/ou do pôr do sol, o Paraíba do Sul se torna estonteante. Foi assim na última segunda-feira. Em uma das margens, avô e neto terminavam uma tarde de pesca. O senhor segurava a linha e, com gravidade, orientava o neto absorto, compenetrado com os olhos estalados.

Provavelmente ele falava de iscas, e o neto já adulto, em algum lugar no espírito do menino, transformava a conversa da pesca em conselhos do avô sobre a escolha da faculdade, os problemas do trabalho, a educação dos filhos, a relação com os pais, fins de namoro, sobre o amor. Problemas que não têm ciência exata, dependem da água, do ritmo de chuvas, do tamanho e da ingenuidade dos peixes e do pescador, da paciência dada à pesca, do tanto que se dá de linha, de saber esperar a hora que se puxa o peixe, da força da correnteza, mil etcoeteras.

Ao término da conversa, o resto das iscas, os anzóis e algumas poucas linhas já estavam organizados na pequena arca, agora carregada pelo avô. As varas de bambu na mão do menino iam embora, perdiam-se na visão de quem passava, assim como as águas do Paraíba que passaram pelo anzol, pelas iscas e pelos peixes (não pescaram nenhum), assim como o vento daquela tarde, o sol, as palavras do avô e a infância do garoto.

Assim como já foram embora o meu primeiro dia na escola Branca de Neve e os Sete Anões, os domingos de sol no Esporte Clube Elvira, o desafio de se equilibrar nos trilhos de trem que foram substituídos por asfalto e um parque, os jogos intermináveis de basquete na quadra do meu bairro, o meu próprio avô e muitas outras lembranças que só voltam à baila da cabeça se, à época, metemos os dois olhos estalados, por um centésimo de segundo que seja, instinto que prenuncia aquilo que vai ser guardado até o momento em que nós também estivermos prestes a ser mais um tanto de água a passar pelo Paraíba do Sul da existência.

Written by Arthur

26/03/2013 at 10:14 AM

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Feliz Natal

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26 de dezembro, primeiro dia de trabalho pós-Jesus nos corações. Manhã ensolarada na avenida Pacaembu, o rapaz espera o ônibus enquanto toma um pingado no copo descartável. Ao terminar, se encaminha à lixeira mais próxima, a poucos metros do ponto. No sentido oposto, uma senhora na casa dos 60 anos, de cabelo raspado, insinuando uma quimioterapia recente. Simpatiza com a senhora pela figura política da camiseta que ela enverga e, talvez por isso, prende o  olhar nela por mais tempo do que o costume. Joga o copo fora e volta ao ponto. Um ou dois minutos se passam e o rapaz lembrou do livro guardado na mochila. Quer sentar para lê-lo, mas todos os assentos do ponto estão ocupados. Vizinha à estação, um estabelecimento possui uma bancada de concreto onde, entre outras pessoas sentadas, a tal senhora fuma um cigarro. A única opção disponível para o rapaz é ao lado dela. Senta, dá um pequeno sorriso quando ela olha e abre o livro. Uma ou duas linhas depois, a senhora manda: vai tomar no cu. Olha, estarrecido. Ela aponta o dedo médio e ratifica: vai tomar no cu.

Ele passou tanta, mas tanta raiva que, duas semanas depois, percebeu que ela tinha razão. Segundo a tradição cristã, passou o dia 26, é hora de voltar a vestir o cinismo urbano e seguir em frente, no melhor paulistan way of life. Feliz Natal.

Written by Arthur

06/01/2013 at 8:21 PM

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Del

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Não tenha medo, eu já passei por isso outras vezes, pode deletar o pouco de texto que lhe resta, por aqui não há nada que preste, é um pagodinho dos piores, mande ver e fique tranquilo, vai doer, sim, mais em você do que em mim, risque, passe por cima, essa história está mal contada, cheia de erros, não, que porra é essa, não dê descanso ao delete, não, isso, era tudo o que eu queria, apare, reescreva, altere e revise, negrite e sublinhe, retalha essa merda que você fez, filho da puta. E não se avexe. Às vezes, tudo o que a gente precisa é de um backspace na consciência.

Written by Arthur

26/04/2011 at 8:57 PM

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Ciclo amnésico

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Num momento de epifania, você decide: vai tomar café.

Enche a caneca de água, liga o fogo e volta pro computador. Vinte minutos de papo furado no mundo virtual depois, volta pra cozinha e encontra a caneca com um tiquinho de água fervendo. Puto, coloca mais um tanto de água, senta em frente ao computador, levanta, vai até a cozinha, pega a caneca vazia, enche de água, volta pro computador e espera o tempo passar pra encher a maldita caneca, até cansar e tomar um suco.

Written by Arthur

21/01/2011 at 7:40 PM

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Acabou

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Por um mês ela esteve comigo, em todos os momentos. Ela me preenchia e me envolvia, era pura sedução. Queria mais e mais, nunca era suficiente. Foi minha companheira de todas as horas, desde a boca do café ao travesseiro de babar. Falava dela o dia inteiro. E o melhor: todos os meus amigos – o mais surpreendente, amigas também – e até desconhecidos queriam saber dela. Eu era o homem mais feliz do mundo.

Mas aí vem o destino e páu. Onze da noite, sozinho, numa colcha sem lençol, num frio infernal, roubando internet do vizinho e sem ela. Se ela estivesse comigo, estaríamos na sala, juntos.

Agora só me resta o sofrimento – e a esperança de que esses dois anos passem logo e a Olimpíada chegue porque, de eleições, ninguém gosta de conversar comigo… Tchau, Copa.

Written by Arthur

15/07/2010 at 11:38 PM

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Duas badaladas, um gole.

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Soava a segunda badalada na Igreja da Santa Cecília enquanto a cerveja esquentava o copo da menina. Com um pequeno bloco na mão, a loira levanta pouco a cabeça, mas não por submissão, pelo contrário: ela prefere gastar mais tempo olhando para o que escreve do que para o mundo em volta. Mal passou do primeiro gole, mas já chegou à terceira página escrita.

A cerveja que está prestes a ferver tivera um propósito, para ajudá-la a escrever. Para muitos, tímidos como ela, a escrita é como uma paquera, um começo de namoro. É triste reconhecer, pensa, mas precisa do álcool para se soltar frente ao papel, para contar a ele algumas verdades que jamais diria de cara limpa.

Vale para a vida real assim como para a escrita, que começava a definhar nas linhas tortas da loirinha. O olhar em volta, que há pouco lhe dava assuntos para os rabiscos, agora a confunde. Não há sentido naquela prosa. Ela para, dá um 180º com o pescoço, que só mostra o fim da cobra tatuada que se insinua dorso abaixo. Acabrunha-se; bebe o copo americano de uma vez, faz careta, enxuga a boca com o braço e volta à vã tentativa de escrever. O mundo não lhe dá colher de chá, não dá tréguas, é fragmentado, é impreciso, importante e irrelevante num tapa só. As informações, os gestos, tudo lhe pede atenção, tudo lhe desespera. É o cabelo desgrenhado da mulher aos trapos sentada do outro lado da rua competindo com uma senhora à espera de alguém que sairá do metrô atrasada em relação horário combinado, que chega com uma menina que brinca com uma bexiga azul que estoura quando um garoto sai num rompante, bravo, de uma loja de flores, seguida de um ambulante desanimado e uma idosa que serve café e bolo na hora do almoço, sorridente para todos.

É tanta coisa, e tanto riso, choro, soluço, tropeço, tristeza, rezas e outras mil coisas que ocorrem e que, para aquele pequeno ser, sentado em uma cadeira torta de plástico de bar, não fazem o menor sentido. Não há grandes verdades, só há causalidades, não há nada de novo, não há o que ser escrito, falado ou sequer analisado, pensa ela enquanto guarda o bloco de notas, enfia a caneta no bolso, bebe o resto de cerveja fervilhante, paga, olha para os dois lados da rua, ouve três badaladas do sino da Santa Cecília e, então, titubeia. Foi andar sem rumo como de costume, mas com uma diferença. Dessa vez ela tem consciência disso. Volta, senta e pede outra cerveja. E escreve.

Written by Arthur

13/07/2010 at 1:26 AM

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Há!

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Prometo que volto para esse blog e a jogar basquete nessas férias. Pelo menos um post e um racha por ano. Juro.

 

Written by Arthur

07/07/2010 at 11:09 PM

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Pra quê

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Para escrever, para olhar a mim mesmo enquanto aprendo a não errar tanto. Seja na escrita, seja na vida.

Written by Arthur

08/03/2010 at 10:02 PM

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Ida

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Quando todos acordam, ela dorme. Muito. Amigos, irmãos, o pai, a mãe, todos se perguntam, “como andava”, “o que fazia”, “o que queria”. E quando volta, nada muda. Para ela, voltar para a cidade natal é voltar para o quarto.

De todos os lugares daquele município, aquele é o único canto onde ela pode olhar em volta e ser feliz. Ali, nada mudou. O armário é o mesmo, no mesmo lugar. Os livros estão empilhados como deixou, até o papel rabiscado com alguma besteira que escreveu bêbada, continua em cima do mesmo criado mudo. Intacta, como se a esperasse a cada seis meses e alguns feriados.

Aquele quarto é o que restou. Já faz cinco anos que não vê a turma com que andava todos os dias, que a fazia perder tempo, que a fazia ganhar alegria. Hoje ela arrumou maneiras diferentes de conseguir desperdiçar dias. A alegria, por sua vez, tem se tornado cada vez mais fugaz.

Agora este é mais um pensamento que se evanesce. Seu corpo está no quarto enquanto a mente se transporta para a rodoviária. Em meio a malas, chicletes pisados e mães puxando seus filhos pela orelha para andarem mais rápido, ela está lá. Tudo que lhe vem à cabeça é: isso faz parte de um protocolo.

continua…

Written by Arthur

23/02/2010 at 5:17 PM

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Uma ambição rara

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Não importa se as vacas andam magras ou gordas, se a crise chegou ou saiu, ou qualquer outro fato que possa mudar a economia do país, ou do Vale, ou de Jacareí, ou até do comércio da rua Dr. Lúcio Malta, nas proximidades da rua Coronel Carlos Porto. No mundo da concorrência, do lucro e da pró-atividade, seu Carlos dá as costas para o Mercado – Municipal de Jacareí – antes do meio-dia. A ambição desse senhor, descendente de japoneses, é bem diferente dos engravatados que estampam capas das VocêsS.A.s da vida.

Ele possui uma pequena pastelaria no mercadão, ou seja, é um microempresário. De sucesso, por sinal. Em meio à concorrência desleal dos chineses que dominam territorialmente o mercado com preços que parecem até subsidiados, ele compensa o fato de estar longe do portão principal com a qualidade, é o melhor pastel de lá. Mas a alta demanda pelos seus serviços não abala as suas convicções.

Para seu Carlos, basta que ele venda a cota de pastéis de carne, de queijo e algumas especiais – daqueles que são quase uma refeição –, que o estabelecimento fecha, não importa o horário. Sem o menor traço de dó ou piedade dos famintos que chegam ao local. Já houve vezes em que cheguei às 10h30 e ele estava saindo do mercado, assobiando.

continua…

Written by Arthur

21/02/2010 at 1:14 PM